Imagine o que significa não conseguir morder uma maçã ou mastigar um simples naco de pão... Acresça a isto um rosto em que se destaca uma mandíbula (vulgo queixo) com excesso de crescimento e consequentes problemas de fonação, mastigação, respiração e, obviamente, estéticos. Com este retrato e, sendo o rosto o nosso principal bilhete de identidade, acumulam-se os preconceitos - mais acentuados na adolescência - e sucedem-se as dificuldades de acesso, inclusive ao emprego.
Até há algum tempo a esta parte, as alterações marcadas da estética facial constituiam uma fatalidade e com ela se vivia a vida inteira. Mas a medicina está sempre a surpreender-nos e a cirurgia maxilo-facial tornou-se na grande esperança para corrigir as deformidades da face. Uma solução que põe um ponto final em anos sucessivos de preconceitos e frustrações.
Este tipo de cirurgia tem naturalmente os seus custos, mas a
vontade de mudar de perfil é tão urgente que contorna
gastos e os constrangimentos próprios de uma operação.
A Clínica Dentária de São Lourenço, dirigida pelo médico
estomatologista Miguel da Nóbrega, tem possibilitado à
Região a realização da cirurgia maxilo-facial. Para tal, conta
com a colaboração de um especialista, António Matos da
Fonseca, que se desloca periodicamente à Madeira para
realizar este tipo de intervenção, que tem lugar numa clínica
privada local.
Pelas mãos do cirurgião Matos da Fonseca, assistido por Miguel da Nóbrega, já passaram inúmeros casos de pessoas que quiseram corrigir as deformidades da face. O antes e o depois neste tipo de doentes é significativo. As mudanças que se conseguem operar através da cirurgia são notáveis e não são conhecidos casos de insucesso ou sequer de arrependimento. A mudança é sempre para melhor. Tudo por um novo sorriso.
VIVER COM PRECONCEITOS
A Andreia atravessou toda a sua adolescência com preconceitos acentuados relativamente à face. Tinha um queixo demasiado puxado para a frente, os dentes não tocavam uns nos outros e, como consequência, tornava-se difícil mastigar o pão ou uma maçã. Mas não só. A fala também era condicionada por esta mandíbula saída e os sons vocálicos não eram bem articulados. Um «trauma» que carregou durante anos e que, inclusive, lhe dificultou o acesso a algumas possibilidades de emprego.
Os anos foram passando, ao mesmo tempo que se acumulava inibições e frustrações. No início da vida adulta, contactou com aquele que era, à partida, um simples dentista. Miguel da Nóbrega foi a sua escolha. Estava aberto o caminho para corrigir a deformidade da face.
No seu consultório, instalado na Clínica Dentária de São Lourenço, sempre com o computador à frente, Miguel da Nóbrega recorda os primeiros passos dados em relação à Andreia. Um simples olhar do rosto permite, à luz da experiência, formular um primeiro diagnóstico: um caso de deformidade facial, classe 3 de Angle. A montante, as queixas da doente, psicológicas e sociais, e uma vontade tremenda de vencer o problema.
O que normalmente muitos desconhecem é que este tipo de paciente, «por norma, não ri», observa o estomatologista. Os constrangimentos são enormes e a barreira dos traumas carrega ainda mais o perfil. Além da deformidade facial, a doente tinha perdido peças dentárias, pelo que os dentes também não se ajustavam uns nos outros. Logo, muito trabalho pela frente...
Miguel da Nóbrega recorda que o primeiro passo do tratamento foi proceder a uma recolha de documentação sobre a paciente que inclui fotos, radiografias e exame clínico. Com base nestes primeiros dados, é feito um estudo da componente clínica (cefalometria). Especialista também em ortodontia, Miguel da Nóbrega faz a reprodução do modelo dentário da Andreia em gesso e está em condições de fazer um diagnóstico mais seguro. Assim se confirma que a deformidade facial é classe 3.
Feito o diagnóstico prévio, o médico define um plano de tratamento com base nos dados previamente recolhidos, nomeadamente com as medições da face obtidas através do estudo cefalométrico. Tudo via computador, o que facilita significativamente este trabalho de cálculo que exige grande rigor e precisão. Percorrido o caminho inicial, é colocado o aparelho de ortodontia na Andreia para a correcção dentária. Mas, além deste problema, há também um problema ósseo, o que torna inevitável a cirurgia.
Na própria Clínica, Miguel da Nóbrega faz primeiro a simulação da cirurgia no gesso. Para isso é necessário que haja uma boa oclusão dentária (os dentes a encaixarem uns nos outros, como é habitual dizer-se).
AS ETAPAS DA CIRURGIA
Após cerca de dois anos com o aparelho nos dentes e com um estudo actualizado do rosto da Andreia, chegou o momento esperado da cirurgia. No início de Maio, a Andreia deu entrada numa clínica privada desta cidade, com o desafio de sair com outro perfil. Levava consigo o apoio do marido e da família e a confiança na equipa médica. Esperava-a uma sala de operações, composta pelo anestesista, uma enfermeira, uma instrumentista a auxiliar o cirurgião maxilo-facial, António Matos da Fonseca, e a assistência de Miguel da Nóbrega.
O DIÁRIO assistiu a esta intervenção que não durou mais do que noventa minutos. Imagens pouco simpáticas de se ver, mas que a destreza e eficiência da equipa médica tornavam o acto aparentemente simples e eficaz. Com a boca totalmente aberta, graças a um "gancho" sustentado por um técnico auxiliar, Matos da Fonseca foi rasgando, ajeitando, fixando e cosendo tecidos a uma velocidade notável. Do nosso lado, o cenário impressionante do que é possível fazer dentro da nossa boca. De forma simples, Miguel da Nóbrega resume esta intervenção: «Fizemos o avanço do maxilar superior e o recuo da mandíbula. Separámos o maxilar do crânio e fixámo-lo com placas e parafusos especiais. Após a cirurgia é preciso pôr elásticos para contrariar a posição das forças musculares».
O cirurgião Matos da Fonseca faz o relato médico: «Iniciámos a cirurgia pelo maxilar superior e fizemos uma incisão (corte) na mucosa do fundo do vestíbulo superior. Foi uma curta incisão para preservar o doente não só do sangramento mas de tudo o que é agressão. Depois, abordámos a parede anterior do maxiliar superior e deslocámos os tecidos numa faixa sobre a qual fizemos uns cortes muito finos, com umas serras apropriadas, que nos vão dar acesso à separação do maxilar, por um lado da base do nariz e, por outro, da base do crânio. No fundo, trabalhámos como se estivessemos a "desarmar" a face do doente, neste caso, o maxilar superior que está ligado na parte posterior à base do crânio e, na parte anterior, ao nariz e aos ossos dos maxilares. Tinhamos à nossa frente uma caso de má posição do maxilar superior, que procurámos corrigir, subindo-o um pouco e fazendo-o avançar. É preciso compreender que, na face, os milímetros equivalem a quilómetros e, portanto, avançar o maxilar 3 ou 4 milímetros é uma medida já considerável. Depois, fixámos o maxilar na sua nova posição através de placas e parafusos, um material que é biocompatível, muito utilizado em cirurgia óssea. A etapa seguinte foi passar para a mandíbula que precisava de ser colocada numa nova posição por forma a que a relação espacial com o maxilar proporcionasse, por um lado a boa oclusão entre os dentes e, por outro, dar à cara do doente uma estética aceitável. Como o fazemos? Fazemo-lo sempre de maneira a não interferir com a região dentária para prevenir lesões nesta área e, sobretudo, a nível articular. Recorremos às osteotomias sagitais, isto é, através de um certo modelo de osteotomias, os cortes são feitos com um design tal que permitem a separação da mandíbula. As tábuas ósseas da mandíbula poderão contactar depois durante a correcção, por forma a que não exista falta de osso e para que a mandíbula necessite de ser fixada através de enxertos ósseos. Tecnicamente isto é muito minucioso, difícil e de grande rigor técnico. Por vezes, quando se aplica esta técnica, é muito frequente os cirurgiões e os doentes se queixarem de lesões dos nervos, mas nesta cirurgia em concreto nem vimos nervos, artérias e veias, nem sequer na zona de separação, o que significa que estavam dentro do canal que passa pela mandíbula e nem foram tocados, o que permite uma boa recuperação a este nível, sem sequelas».
Com toda a equipa atenta e eficiente, a cirurgia «correu bem», diz quem sabe. Poderia ter havido percalços, mas não foi o caso. Em 90 minutos, tudo estava concluído graças a uma equipa bem treinada para tal - com formação recebida na Clínica da Face, dirigida por Matos da Fonseca - e com a tranquilidade assegurada pela eficiência do médico anestesista, Luís Paulo Gaspar. É fundamental que o anestesista esteja familiarizado com as técnicas por causa do tipo de entubação que faz e, por outro lado, que domine bem as técnicas de hipotensão porque é preciso operar o doente com uma tensão baixa por forma a que o sangramento seja mínimo», observa o cirurgião, já fora da sala de operações e a mastigar qualquer coisa antes de entrar para outra intervenção cirúrgica.
Após a cirurgia, o período de internamento deste tipo de doentes é de 24 horas. A recuperação não é complexa mas tem as suas fragilidades.
Segundo Matos da Fonseca, o doente fica, após a operação, sem os maxilares bloqueados. Sai da sala de operações, passa pelo recobro e já poderá depois comunicar, ainda que lentamente, e fazer a sua alimentação. Permanece em repouso e fará a terapêutica médica prescrita, sempre aplicando gelo na face para prevenir o edema. No dia seguinte à operação, regressa a casa e, após uma semana, dirige-se ao médico Miguel da Nóbrega que tem a responsabilidade de acompanhar toda a fase da recuperação. Naturalmente, durante alguns dias, o doente apresentará um rosto mais inchado, mas o aspecto voltará ao normal com o passar dos dias.
À saída da operação, e enquanto Miguel da Nóbrega e Matos da Fonseca recuperavam do trabalho rápido mas exaustivo que realizaram, questionamos: Tudo isto por um novo sorriso? «Sim, coloca bem a questão. Mas é um novo sorriso que não tem a ver apenas com a questão estética mas também funcional. A doente resolveu os problemas de mastigação que tinha, o que levantava também problemas de ordem pessoal e social. Por outro lado, vai poder dizer as plavras que até agora não conseguia dizer correctamente, vai respirar melhor e a cirurgia contribuirá até para a prevenção do envelhecimento precoce da face. A doente ver-se-á com melhor aspecto e é natural que valorize o trabalho que fizemos», responde o cirurgião.
A NOVA ANDREIA
Oito semanas após a operação, o DIÁRIO contactou com a nova Andreia, no final de uma destas tardes de autêntico Verão. A expectativa era grande, uma vez que a deixámos de seguir após a saída da sala de operações. O médico, Miguel da Nóbrega, já antecipara que as novidades eram boas. Após a Andreia, já outros dois jovens tinham sido operados com sucesso, tal como atestavam as imagens de computador.
É a vez da Andreia entrar: o antes e o depois é significativo. A mudança operada no rosto é substancial e positiva. Recordando o que está para trás, também registado fotograficamente pelo DIÁRIO, e o recorte facial que nos é apresentado ficamos com a sensação de que toda a boca recuou para se ajeitar da melhor maneira a um novo perfil e o resultado é francamente positivo.
A Andreia expressa ao DIÁRIO a sua satisfação. O marido e toda a família aprovam o resultado final. Mas, ao olhar para trás, as lágrimas persistem em cair. É «muita emoção», confessa. Foram anos «difíceis e de privações», conta-nos. A recuperação da cirurgia também «não foi fácil», apesar de ter contado com «toda a atenção e acompanhamento do dr. Miguel da Nóbrega e da minha família». Mas as dificuldades iniciais em alimentar-se e movimentar-se, bem como a imagem projectada no espelho de um rosto bastante inchado, não são memórias agradáveis. «O gelo na face ainda é a melhor coisa», sugere. O tempo foi passando e, hoje, a Andreia vai respirando de alívio. É a própria a dizer que «vale a pena passar por tudo isso porque os resultados compensam».
Obviamente que este tratamento tem os seus custos. A Andreia avisa que não é barato. Somando todos os gastos ao longo do tratamento, estima que já dispendeu cerca de 10 mil euros. Um valor comparticipado pelo Sistema Regional de Saúde mas que «vale a pena».
Com um visual novo e mantendo ainda o aparelho ortodontico, a Andreia está já a ter aulas de terapia da fala. Dadas as mudanças ao nível do maxilar e da mandíbula, é preciso habituar todos os órgãos à nova fisionomia, permitindo a melhor articulação da voz. Após todas as provas de fogo anteriores, o resto parece fácil. A sensação de mastigar sem entraves e a ausência de olhares socialmente desfavoráveis recompensam todo o sacrifício.
Mais uma vez, a medicina com a sua técnica e os seus profissionais a fazer maravilhas naquilo que a natureza deformou.
Rosário Martins (texto) / Agostinho Spínola (fotografia)